27 de ago. de 2017

Como pode, o seu trabalho ser brincar?

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Dia desses, numa sessão inicial com uma criança de cinco anos:

- Agora é a sua vez. Quer saber algo sobre mim?
- Hummm. Quero: onde você trabalha? Pergunta a criança.

Eu dei risada, pois estava claro que aquela configuração de trabalho não era possível ainda em sua cabecinha: - Eu trabalho aqui. Sou Psicóloga.

Ela olhou rápido ao redor, e com uma expressão séria, questionou: - Como pode, seu trabalho ser brincar?

O nosso vínculo com o trabalho (em qualquer profissional) parece ser tão rigoroso, que o lúdico no trabalho ainda pode ser mal interpretado, tantas vezes. E se tratando da Psicologia, é preciso também reinventar para alcançar a diversidade humana. Mas, que fique claro, a gente só pode sair viajando por aí, quando sabemos como e para onde retornar, assim nos sentiremos seguros - não sempre, mas com algum norte. Do contrário, a gente se perde, fica tonto de tantas voltas e leva para a incerteza, quem estiver na viagem.

É um trabalho conjunto, de formação de vínculo: se o paciente estiver forte, ótimo, você está; se o paciente estiver frágil, você precisa continuar forte, continuar lá, mesmo se você não está. Entende a delicadeza surreal? Entende a necessidade de terapia para profissionais? Não há uma regra, há seres humanos vivendo situações semelhantes ou diferentes e exigindo de si e dos outros ao redor, diversos esforços que movimentam ativamente as emoções. Não há um jeito único, uma forma definitiva, há um outro olhar, um pouco mais de atenção aos detalhes ao que é feito e falado. Várias maneiras de ser chegam ao consultório, que é uma espécie de laboratório da vida real, onde o sujeito é um pouco do que tem sido lá fora, misturado com o que gostaria de ser mas por algum motivo, não é. Às vezes, é preciso dizer aos pais: o que vocês acham que estão ensinando ao agir assim, indo contra os combinados? Às vezes, é preciso dizer ao adulto: olha, tu pode errar também, e tudo bem. Às vezes, é preciso dizer ao adolescente: se tu não fizer outra escolha, vai estar sendo exatamente aquilo que eles são com você, e vai se chatear demais quando perceber isto. Às vezes, é preciso dizer à uma criança que faz uma birra incrível, na frente da mãe que sorri: a mamãe está achando engraçado, mas eu não e, por isto, ficarei em silêncio até que eu perceba que isto aqui é sério para todos nós. 

Quando dizer ou fazer tudo isto? Não sei. Talvez eu só tenha feito uma vez, ou três; ou ainda não tenha feito nada disso. A questão é estar atento ao que demanda a situação e considerar a possibilidade de ser ética, sem ser permissiva desnecessariamente.  

Na terapia, é bom e precioso saber voltar, para poder continuar a seguir, considerando o outro, este que você sabe sobre, um pouco, e vai emprestar a si mesmo, para que ele aproxime-se da sua real ou ilusória confusão e se reconstrua então, ou não. Entende como não cabe numa lista, num texto, num tamanho qualquer? A Psicologia, e aqui acrescento a psicanálise (que é o instrumento-agulha das minhas costuras profissionais) - é uma experiência, uma escolha e, escolhas são únicas.

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